Os 50 anos da implantação da ditadura militar no Brasil, no próximo dia 31 de março, motivam a Claquete a refletir sobre a data. Vamos nos teletransportar, por meio da música, ao ano de 1967. Nada de Beatles gravando Sgt. Pepper’s ou Elvis Presley casando-se com Priscila Beaulieu, mas tropicalismo, violão quebrado, vaias e gritos efusivos como manifesto expressivo numa época de repressão. O passeio é para a noite de 21 de Outubro, dentro do Teatro Paramount, no III Festival de Música Popular Brasileira.
Renato Terra e Ricardo Calil criaram, de modo simples, um filme que emociona e flana por diversas perspectivas. As apresentações musicais são alternadas por entrevistas de bastidores da época feitas por Blota Jr. e Cidinha Campos e pela manifestação imponente do público heterogêneo (universitários, senhoras de vestes conservadoras e crianças), contrapostas por reflexões e confissões contemporâneas dos artistas e produtores.
“O festival nada mais era do que um programa de televisão. Só que, de repente, por força de uma série de circunstâncias, ele adquiriu uma importância histórica, política, sociológica, musical e transcendental”, descreve Solano Ribeiro, realizador do concurso. As circunstâncias eram provocadas por um cenário de incertezas políticas, transformações culturais e censura − o que levava as pessoas a procurar, em protestos, uma unidade de força e voz. No festival, o público como massa atuante é manifesto, sobretudo, por meio da vaia, que alucinou o músico Sergio Ricardo de modo a quebrar e arremessar seu violão contra a plateia.
A música, nesse contexto, transforma-se em ato político, em libertação por meio da arte. Os artistas obtinham, nas canções, uma plataforma de disseminação de ideias. “Achávamos que deveríamos soar nacional, soar brasileiro, mas soando global também. Por causa da ditadura, nós precisávamos de uma forte reação da sociedade, em termos de resistência pela liberdade, pela liberdade de expressão, pela circulação de ideias”, medita o cantor, compositor e multi-instrumentista Gilberto Gil.
Entre as cenas mais emocionantes, está a apresentação de “Alegria, Alegria”, interpretada por Caetano Veloso. Risonho, acompanhado pelos músicos argentinos do Beat Boys e por guitarras elétricas (condenadas dois meses antes pela “Passeata Contra As Guitarras”), o cantor e compositor tropicalista é recepcionado por vaias ensurdecedoras. Aos poucos, a chacota se transforma em veneração: uníssono e aplausos entusiasmados. “Ver um artista num palco virar uma multidão feroz sem dizer uma palavra, só cantando foi uma das maiores emoções que eu tive no show business. Foi lindo!”, rememora saudoso o jornalista e produtor musical Nelson Motta.
Texto: Alana Oliveira
Ficha Técnica
Título: Uma Noite em 67
Ano: 2010
Direção: Renato Terra e Ricardo Calil
Gênero: Documentário
Duração: 85 min.