[Claquete] Retrato de uma garota singular

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Dirigido por Noah Baumbach (conhecido por suas colaborações com Wes Anderson em O Fantástico Sr. Raposo e A Vida Marinha de Steve Zissou), Frances Ha é, ao mesmo tempo, o retrato urbano de uma geração e do drama pessoal de Frances, personagem encantadora e desengonçada que se aproxima dos 30 anos e é assolada pela falta de perspectivas característica daquela zona cinza entre a adolescência e a maturidade – que parece se prolongar cada vez mais no mundo moderno.

O cinza – e a indefinição associada à cor -, aliás, é uma marca significativa do longa, presente não apenas na opção estética pela filmagem em preto-e-branco, mas também no drama cotidiano de Frances: ela mora em NYC (cidade-sonho para uma vasta fatia dos jovens americanos), mas não tem um apartamento para chamar de seu; ela é assistente em uma companhia de dança, mas não é boa o bastante para ter destaque como dançarina.

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A garota, no entanto, enfrenta cada revés com um otimismo inabalável. Ela é a própria encarnação da palavra inglesa serendipity: a habilidade de encontrar prazer, inspiração ou felicidade em qualquer fato que lhe ocorra, não importando o quão inesperado. Greta Gerwig, em sua atuação sublime, contribui de forma definitiva para a identificação do espectador com uma personagem tão singular.

O longa é marcado por diálogos agridoces, hilários e adoráveis – escritos em colaboração com a própria Greta Gerwig -, e se insere no cenário do cinema independente americano, com ecos da nouvelle vague e clara influência do mumblecore, movimento cinematográfico contemporâneo caracterizado pelo baixo-orçamento, diálogos improvisados e foco nas interações pessoais.

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O grande mérito de Frances Ha reside na unidade alcançada, a fusão completa de forma e conteúdo: o filme assimila e absorve cada uma das singularidades da protagonista, tornando em forma aquilo que, de outro modo, ficaria restrito ao conteúdo. A cada tropeço de Frances, o desconcerto ou a comiseração experimentada pelo espectador não se prolonga por mais que um instante: ele é, quase imediatamente, impelido a sorrir pela própria personagem, que exercita incessantemente sua adorável capacidade de rir de si mesma. Uma narrativa contagiante e irresistível.

Texto: Lia Martins

Ficha técnica

Título Original: Frances Ha
Ano: 2012
Direção: Noah Baumbach
Roteiro: Noah Baumbach e Greta Gerwig
Gênero: drama; comédia
Duração: 86 min.
Origem: EUA

 

[Claquete] Entre a homenagem e a busca de um lugar no mundo

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Com roteiro do estreante Noah Haidle e direção de Fisher Stevens, o longa Amigos Inseparáveis é, essencialmente, um conto sobre a nostalgia e a obsolescência de um modo de vida que não é mais sustentado pelo mundo moderno.

Estrelado pelos veteranos Al Pacino, Christopher Walken e Alan Arkin, o filme tem um nítido tom de homenagem à carreira de ambos, bem como à estética cinematográfica americana inaugurada no fim dos anos 1960 – a chamada Nova Hollywood, marcada pela temática subversiva e pelo clima intimista, influenciado pelo cinema francês.

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A narrativa, afetiva e sensível, começa com Val (Pacino) saindo da prisão e sendo recepcionado pelo amigo de longa data e parceiro no crime Doc (Walken). Após 28 anos de pena cumpridos “sem abrir a boca”, Val suspeita de que a seu amigo foi atribuída uma ingrata missão: matá-lo, como vingança pela morte do filho de um chefão da máfia. Não há suspense: Val está certo, e Doc tem até as 10h da manhã do dia seguinte para cumprir sua tarefa.

Ambos partem, então, em uma longa jornada noite adentro, que começa melancólica e lenta, mas vai ganhando velocidade (literalmente) a partir do “resgate” do piloto de fuga da gangue, Hirsch (Arkin), “exilado” em uma casa de repouso. O reencontro dos três inclui hilárias visitas a um bordel, um improvável assalto a uma farmácia, uma overdose de pílulas contra impotência, o resgate e a vingança de uma jovem violentada e mais uma série de eventos improváveis, alternadamente catárticos e patéticos.

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O filme conta com uma direção de arte sólida – a cargo de Thomas T. Taylor (conhecido por seu trabalho nas séries Heroes e Lie to Me) -, marcada por planos intimistas, iluminação barroca (carregada de contrastes) e trilha sonora minimalista, além de numerosas cenas e sequências filmadas em cenários vazios, sustentando o clima de melancolia e não-pertencimento que emana dos personagens nas circunstâncias em que se encontram.

Em sua quase desesperançada busca por um lugar em um mundo que não é mais o mesmo, e que não mais lhes pertence, Val e seus companheiros fixam-se sobretudo no trivial, pautando suas ações por um senso de adequação algo anacrônico, mas que parece ser o único elo possível entre eles e a realidade que precisam enfrentar para reafirmar seu modo de vida e sua própria identidade.

Texto: Lia Martins

Ficha técnica

Título Original: Stand Up Guys

Ano: 2012

Direção: Fisher Stevens

Roteiro: Noah Haidle

Gênero: comédia dramática

Duração: 95 min.

Origem: EUA

[Claquete] Crônica de amor e descobertas

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Ambientado em uma ilha fictícia ao largo da costa da Nova Inglaterra nos anos 1960, Moonrise Kingdom, mais novo longa de Wes Anderson (escrito em colaboração com Roman Coppola), narra a história de um menino e uma menina com problemas de adaptação ao mundo que se apaixonam um pelo outro e decidem fugir, mobilizando toda a cidade nos esforços de busca pelos dois.

Sam (Jared Gilman) e Suzy (Kara Hayward) – ele órfão e ela sufocada pela rotina entediante da casa de seus pais -, ambos com 12 anos e alma inquieta, provocam no expectador empatia imediata. A narrativa do filme desenvolve-se em um tom aventureiro-juvenil comum aos filmes exibidos na chamada “sessão da tarde”. O olhar de Wes Anderson, contudo, envolve o filme numa forma peculiar, e seu perfeccionismo se faz notar na profusão de planos-detalhe de cartas e bilhetes e das capas dos romances (fictícios) roubados da biblioteca que Suzy lê continuamente. Além disso, o admirável talento do diretor dá a cada aspecto do conteúdo da narrativa significações múltiplas e transcendentes.

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No processo da fuga, a ingenuidade que os garotos manifestam em sua percepção do mundo moldada pela descoberta do amor contagia pouco a pouco a melancólica e resignada existência dos demais habitantes da cidade, causando, em alguma medida, uma ruptura e um preenchimento de suas existências vazias. Utilizando-se de elementos estéticos que se tornaram quase que marcas registradas suas, Wes Anderson atingiu, em Moonrise Kingdom, simbiose entre forma e conteúdo em um tal nível que só se observa verdadeiramente em obras-primas.

Como se nota em diversos outros filmes da carreira do diretor (tais como O Fantástico Sr. Raposo e Os Excêntricos Tenenbaums), há preponderância de planos simétricos, com cenários muito bem arranjados – que, sem perder a verossimilhança dentro da proposta, remetem imediatamente a ilustrações de livros infantis ou a uma casa de bonecas – e uma paleta de cores muito definida, composta de tons vibrantes, ainda que em nuances pastéis.

Suzy em plano simétrico característico de Wes Anderson.
Suzy em plano simétrico característico de Wes Anderson.

E aqui se observa mais um dos méritos do longa: o íntimo diálogo da fotografia (sob o comando de Robert D. Yeoman, colaborador habitual de Anderson) com o zeitgeist da década de 1960 – a opressão do ego encoberta pela perfeição estética, o desejo de liberdade dos jovens e a tentativa de sobreposição pela tradição das gerações anteriores.

A trilha sonora mostra-se também impecável, com destaque para a canção Le temps de l’amour, de Françoise Hardy – ícone da chanson francesa nos anos 1960 -, colocada quase que em primeiro plano na cena em que Sam e Suzy trocam um beijo. A canção traz em si a inocência e o deslumbramento da descoberta do amor que a narrativa explora tão bem.

Beijo de Suzy e Sam
Beijo de Suzy e Sam

Moonrise Kingdom tem, em suma, a perfeição plástica de um quadro, cujo conteúdo parece fundir-se com a moldura de modo a elevar o expectador a outras dimensões da percepção.

Texto: Lia Martins

Ficha Técnica

Moonrise Kingdom

Ano: 2012

Direção: Wes Anderson

Origem: EUA

Duração: 94 min

Gênero: comédia, drama, romance

[Claquete] Ursinho Ted, proibido para crianças

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Seth Macfarlane, roteirista da premiada série Family Guy, conhecida como “Uma Família da Pesada”, graças a infeliz tradução para o português, levou pela primeira vez seu humor politicamente incorreto e malcriado para as grandes telas em 2012. O Ursinho Ted, que traz no elenco os afiados Mark Warlberg (O Vencedor) e Mila Kunis (Cisne Negro), é uma comédia romântica com um lado obscuro de puro sarcasmo.

O título do filme referencia o principal personagem, um urso de pelúcia feito por computação gráfica e dublado por Macfarlane, que tem atitudes de um adulto grosseiro.

Um urso e seus recalques

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A “explicação” da transcendência do status de coisa, para o de ser vivo do ursinho, dá-se pelo pedido de natal de um menino impopular, John Bennett. A criança, que no futuro transforma-se no adulto interpretado por Warlberg, deseja um amigo de verdade, e, de certa forma, consegue.

A sequência mostra o crescimento da dupla. Assim, o ursinho considerado um milagre tem seus cinco minutos de fama, mas simplesmente não consegue superar isso. A estagnação no passado cria em Ted uma personalidade agressiva, dependente e imatura. Aliando todas essas “benesses”, ainda soma-se uma boca felpuda muito suja. E essa é a graça do filme – a contradição ridícula e absurda de um adulto nada bonzinho e infantil em um corpo fofinho de pelúcia.

Roteiro déjà vu

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O longa reúne elementos eficazes, porém vistos com frequência nas comédias americanas atuais. Há o chamado “bromance”, como em Eu Te Amo, Cara (2009), o uso de drogas, presente em Pineapple Express (2008) e Horrible Bosses (2011), até o saudosismo oitentista tanto em voga – Sam Jones, ator consagrado nos anos 1980 por interpretar o herói Flash Gordon, tem uma participação em O Ursinho Ted interpretando ele mesmo.

Além da má-influência de Ted na vida de John Bennett, e suas reverberações negativas, para intensificar a trama, surgem vilões bizarros. No entanto, a entrada desse núcleo parece mal engendrada, mesmo incluindo Giovanni Ribisi (Avatar).

Repercussões

O lançamento de Ted foi por um lado cercado de polêmicas, e por outro de expectativas dos fãs do roteirista, diretor e dublador, Macfarlane. Quanto as polêmicas, que costumam permear os trabalhos dele, já eram de se esperar. O filme é bastante inapropriado para crianças, como endossa a classificação etária, que é de 16 anos. Portanto, não se deixem enganar pelo ursinho fofinho e evitemos o engano do deputado Protógenes Queiroz PCdoB, que após levar o filho de 11 anos para assistir o longa no cinema, ficou ultrajadíssimo, e quis inclusive vetar a exibição do filme nas salas de cinema brasileiras.

Ficha Técnica
Diretor: Seth MacFarlane
Duração: 106 min.
Ano: 2012
País: EUA
Gênero: Comédia
Classificação: 16 anos

Texto: Manoela Cavalcanti

 

[Claquete] Cores, nomes e amores tropicalistas

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Lançado em 2012, o documentário Tropicália tem a pretensão de fazer um panorama definitivo do movimento tropicalista, após quase 45 anos das primeiras experimentações baianas. Dirigido por Marcelo Machado, o longa, que ficou pouco tempo em circuito comercial, traz entrevistas, imagens, músicas e videos raros. Como personagens estão os artistas Caetano Veloso, Gilberto Gil, Tom Zé, Gal Costa, Arnaldo Baptista, Rita Lee, Jorge Mautner, Glauber Rocha, Maria Bethânia, José Celso Martinez, entre outros.

A Tropicália

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Foto: Divulgação

O final da década de 60 em todo o mundo foi marcado por movimentos da juventude em busca de liberdade de expressão política e sexual. No Brasil, regido desde de 1964 por um governo militar, os baianos Caetano Veloso e Gilberto Gil agitavam a cena musical com composições ousadas, provocativas, cheias de metáforas e influências diversas. Uma mistura de baião (Luiz Gonzaga), iê-iê-iê (Jovem Guarda), Chacrinha, João Gilberto, beribaus e guitarras elétricas. Artistas de outras vertentes também compartilhavam das mesma forma de expressão, o que fez do tropicalismo um movimento cultural, para além da música. Entre eles, o cineasta Glauber Rocha com o Cinema Novo; o diretor de teatro José Celso Martinez Correia com o Teatro Oficina; e Helio Oiticica com suas instalações provocativas nas artes plásticas.

Em sua biografia (Verdade Tropical – disponível na Biblioteca da Unifor), Caetano Veloso conta que a Tropicália começou sem intenção de movimento, nem pretensões políticas, era apenas uma expressão da juventude. A maior revolução era estética, plástica, entretanto, a liberdade defendida pelos artistas incomodou o regime militar, que levou ao exílio os mentores Gil e Caetano. A partir daí, o movimento ganha caráter mais político, embora nunca tivesse sido alheio à situação do país.

Ficha técnica:
Diretor: Marcelo Machado
Duração: 82 min.
Ano: 2012

Veja mais:

  • uma-noite-em-67Uma noite em 67, documentário sobre o histórico Festival Internacional da Canção onde Gil e Caetano apresentaram as primeiras composições tropicalistas. Assista na íntegra aqui.

Texto: Lorena Cardoso