
Ontem, 14 de novembro, aconteceu o primeiro dia do Festival Internacional de Biografias – FIB, no Estoril. Foi numa tenda escura armada no Espaço Biografias que se apresentaram os escritores Fernando Morais e Paulo César de Araújo, debatedor e mediador, respectivamente. Com o tema “A Próxima Biografia é Sempre a Melhor”, Mário Magalhães (autor de Marighella – o Guerrilheiro que Incendiou o Mundo) fez as apresentações e falou com presteza sobre o festival que reúne “a nata dos biógrafos consagrados no Brasil”.
“A gente não tem que ter medo de dar às coisas o nome que as coisas têm”, disse Fernando Morais, no debate que teve início com a polêmica das biografias não autorizadas.
Morais falou sobre a censura prévia que algumas das figuras mais notáveis da nossa cultura estão pretendendo impor, “pretendem se tornar censores. E só quem viveu sob censura sabe o que é a tragédia de ter alguém que vá ler [sua obra], antes do seu leitor, com o poder de decidir se o seu leitor vai ler ou não”, referindo-se aos tempos de ditadura no Brasil.

Questionado por Paulo César de Araújo sobre quais autores e livros contribuíram, definiram ou ajudaram em seu caminho de biógrafo, Morais rememorou o primeiro livro que leu inteiro, ainda criança, “7 Histórias Verdadeiras” (de Graciliano Ramos), contou que na adolescência foi muito influenciado pelo New Journalism e, falando de jornalismo literário, citou grandes nomes e não poupou elogios para Gabriel García Marquez, com quem disse ter aprendido muito, e para Euclides da Cunha, “absolutamente indispensável para quem quer fazer não-ficção” e mencionou a obra de Gay Talese “Frank Sinatra está Resfriado”, e, quando comentou que Frank Sinatra era uma espécie ‘Roberto Carlos norte-americano’ prosseguiu com o comentário sarcástico “embora nunca tivesse proibido nenhuma biografia”.
Paulo César de Araújo questiona: como é que você escolhe um personagem? E antes de responder, Morais fala da lisonja que foi ter sido o autor da obra que despertou o interesse de Araújo pela não ficção “me sinto como um santo de vitral: varado de luz”, citando Nelson Rodrigues.
Educado em redação de jornal, Morais disse não ter metodologias, mas alguns pré-requisitos na hora de decidir o personagem a ser biografado são primordiais, são eles: o ineditismo, a trajetória do personagem tem que permitir que se conte o que não é aprendido nos bancos escolares; outra condição é que o personagem não seja linear. A preferência de Morais é por personalidades polêmicas, surpreendentes, pois, para ele “vida sem graça já basta a da gente”, provocando risos da plateia. Explica que o legal é ler uma vida borbulhante, que o seduza o leitor não só no texto, mas no personagem.
Personagens mortos e personagens vivos. Paulo César quis saber qual o mais fácil de produzir, se há uma diferença muito grande em tratar de alguém ainda atuante como Paulo Coelho e como Assis Chateaubriand, que já havia falecido há muito tempo. Paulo César abre um parêntese para comentar que existem autores que se negam a escrever sobre personagens vivos, mas ele mesmo não tem problema nenhum “até porque eu escrevi sobre um personagem vivo, e no meu caso, vivo até demais”, brinca com o fato da não autorização de Roberto Carlos para seu livro Roberto Carlos em Detalhes”.

Para Fernando Morais, fazer biografia de personagem vivo tem uma vantagem insuperável, que é o olhar, e se tivesse visto Olga Benário e Assis Chateaubriand sua obra teria se enriquecido. “Nada substitui o olhar do autor. Você viu, você olhou. Personagem morto sempre virá pra você de segunda ou de terceira mão”, explica. “Agora a grande vantagem do personagem morto [é], primeiro que ele não vai encher o seu saco, e depois, é uma biografia acabada”, concluiu a questão confessando preferir os mortos.
A última pergunta antes de abrir espaço para as perguntas do público foi, segundo Paulo César, a mais delicada: como é que você escolhe falar sobre intimidades? Morais, prontamente diz que viveu conflitos éticos em praticamente todas as biografias que escreveu, e fala de um caso, em que se encontrou numa situação delicada de dúvida para com a biografia de Paulo Coelho (O Mago, 2008) e recebeu um sábio conselho de sua esposa, “você tá querendo impor ao seu público uma censura que o biografado não impôs sobre você”. Encerrando a resposta, Morais diz o que é a intimidade e qual a intimidade que devemos respeitar: aquela que se faz dentro de casa com portas trancadas, o que o sujeito fez ou falou no restaurante, na calçada, é público. “Intimidade é o que você faz em casa com a porta fechada, passou daí, tá no livro!”, encerrou e em seguida entregaram o microfone para as perguntas da plateia, que tiveram, boa parte, um viés mais político.
Após o debate, Fernando Morais e Paulo César de Araújo, muito acessíveis, dirigiram-se a um dos estandes do festival para distribuir autógrafos, fotos e entrevistas.
Texto: Lorrana Feitosa