
Nesta quinta-feira (14), o I Festival Internacional de Biografias (FIB) contemplou uma das poucas exibições do documentário Outro Sertão, de Adriana Jacobsen (realizadora audiovisual e pesquisadora), e Soraia Vilela (jornalista e tradutora). O documentário traz um prisma de biografia do escritor e diplomata brasileiro João Guimarães Rosa nunca visto anteriormente. Assim como Guimarães, as duas diretoras são mineiras e moraram muitos anos na Alemanha. Dessa maneira, após dez anos de pesquisa e seis meses de montagem, a empatia entre biografado e idealizadoras fez nascer uma obra cinematográfica, que fala dos quatro anos em que o escritor esteve no consulado brasileiro em território alemão, durante o regime nazista.
O documentário se inicia com imagens de cinegrafistas amadores da Alemanha na década de 30, as quais passeiam sobre a tela, enquanto uma voz interpreta Guimarães Rosa. O poeta descreve todo o seu minucioso encanto poético acerca da cultura de um país que admirava desde muito pequeno quando, na escola, aprendia o idioma alemão.
O escritor esteve ludibriado com a ideia de civilização e felicidade que se estampava no rosto das pessoas que cruzavam seus caminhos nas ruas de Hamburgo. “Da guerra, via apenas cavalos e cachorros mortos, infelizmente”, dizia a voz que fazia com que Guimarães contasse a sua própria história.
Entre os anos de 1938 e 1942, o então vice-cônsul brasileiro pode vivenciar dias de encantamento e, logo em seguida, de desilusão com o que viria a ser o nazismo. O diário de Guimarães Rosa começa uma narrativa que corrompe a mansidão que compunha sua vista, a partir da invasão alemã à Polônia. “Há países engraçados, onde só o governo tem o direito de roubar, de mendigar, de ameaçar”, decepciona-se a voz do escritor.
A partir desse momento, o documentário conta histórias de judeus brasileiros e alemães que, ajudados pelo vice-cônsul e por sua futura esposa Aracy Moebius, conseguiram salvar-se do exímio nazista, sendo enviados para o Brasil. Os documentos encontrados pelas duas diretoras do filme trazem dados e depoimentos verídicos da trajetória de Guimarães como diplomata. “O diplomata é um sonhador, por isso pude exercer tão bem essa função”, continua a voz do escritor multifacetado.

O trabalho do vice-cônsul só terminou quando o consulado brasileiro na Alemanha foi atacado, e este voltou ao Brasil, mas já tendo ajudado vários judeus em um território ditatorial. O filme termina com as palavras de Guimarães Rosa em entrevista para uma televisão alemã. Ele é questionado se escreveria poemas, pois havia reduzido cada vez mais a forma estética e o estilo de escrever, que foi de documentos maiores até crônicas. O escritor responde: “Chegaria até o hieroglifo, se preciso for”.
Após o filme, Adriana e Soraia debateram, junto com a plateia, a respeito das temáticas que o filme envolveu. As diretoras comentaram a respeito da dificuldade para conseguir a livre exibição e a comercialização do documentário. Soraia afirma que o direito de expor a biografias de figuras públicas no Brasil não tem a mesma facilidade de implantação como na Alemanha.
Soraia fala também do cuidado que as diretoras tiveram com o distanciamento da obra, para que o documentário não envolvesse o mesmo prisma tão repetitivo de biografias a respeito da poesia e do lirismo de Guimarães Rosa.

Em entrevista ao Labjor, Adriana fala da pertinência que o Festival teve para sua produção. “Para nós, é uma oportunidade de mostrar nosso filme aqui em fortaleza. Esse festival está exatamente tratando de um assunto importantíssimo, que é de como se trata a História no Brasil, porque hoje você só pode trazer a história com personagens. É praticamente uma censura”, disse.
Ao questionarmos sobre o nome da obra, Soraia fez um paralelo entre o que seriam os dois sertões. “A nossa associação foi justamente o sertão como um terreno árido, difícil. Estamos falando de outro terreno árido, que é o nazismo, e a permanência de Guimarães dentro dele”, afirmou a jornalista.
Texto: Beatriz Santos