Boa sorte, meu amor, o longa-metragem de estreia do cineasta pernambucano Daniel Aragão, é uma declaração de amor do diretor a sua própria memorabilia.
Filmado em preto e branco, o longa evidencia uma opção estética associada à memória e um culto a objetos do passado, que só revelam seu significado ao espectador de forma parcial – posto em relevo pela escolha de lentes antigas (como as de formato scope), resultando em imagens doces e um tanto menos de foco.
A narrativa acompanha o protagonista Dirceu (Vinicius Zinn), um insosso jovem, descendente da aristocracia latifundiária, que leva a vida no fervor urbano de Recife e lá conhece Maria (Christiana Ubach), estudante de piano com quem compartilha a cidade natal, e que provoca nele a necessidade urgente de buscar a si mesmo e reconectar-se a suas origens.
Enquanto nos revela o romance – ou “antirromance”, como o diretor se refere a tais histórias de amor interrompidas – de Dirceu e Maria, o longa traça um paralelo entre a vida urbana, em constante transformação, e o cenário rural de Pernambuco, que passa por mudanças lentas mas definitivas. Merece destaque a sutileza com que são tratadas as questões políticas que permeiam a trama, como a demolição do patrimônio histórico de Recife, a reforma agrária e o ranço clientelista da politicagem no sertão pernambucano.
As boas atuações (em especial a de Ubach, cuja leveza, expressividade e graça impressionam) e a fotografia, assinada por Pedro Sotero, são os grandes méritos do longa. Usando-se de grandes planos, perfeitamente simétricos, contrapostos a planos-detalhe, Sotero mostra perfeito domínio dos recursos de dramaticidade proporcionados pelo preto e branco. A emoção no longa é dimensionada principalmente pelos cortes e pelo recurso às montagens de sentido.
As falhas de roteiro e direção, no entanto, são profusas, a começar pela artificialidade dos diálogos: os personagens produzem longos monólogos sobre si mesmos, sem ser interrompidos, em situações sociais de que a verossimilhança exigiria diálogos. Tem-se a impressão de que os atores estão lendo contos ou em sessão de análise.
Com alguns poucos achados, que parecem quase fortuitos (como a bela cena muda que introduz a personagem Maria), Daniel Aragão emprega uma trilha sonora opulenta – e em geral fora de sincronia com os demais elementos estéticos e dramáticos do longa – como disfarce (insuficiente) para a falta de foco da obra.
Fica claro para o espectador que se trata de uma narrativa composta de si para si, uma maldisfarçada forma de auto-homenagem que chega às raias do solipsismo.
Texto: Lia Martins
Ficha técnica
Título Original: Boa sorte, meu amor
Ano: 2012
Direção: Daniel Aragão
Roteiro: Daniel Aragão, Gregório Graziosi, Luiz Otavio Pereira
Gênero: drama
Duração: 95 min.
Origem: Brasil