[Foca Nessa] Sorte: Um caso de Estupro

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Sorte é o primeiro livro de Alice Sebold, lançado em 1999, que conta todas as suas experiências após ter sido estuprada em um parque perto do campus da Universidade de Syracuse, nos EUA. Não há uma busca pelo grande significado das coisas, nem das feridas psicológicas abertas na alma de Alice. De certa forma, o livro é tudo o que se poderia esperar que ele não fosse. Sem mensagens, sem lições de vida. Só uma história real.

De inicio, já no local do estupro, sem rodeios ou enfeites, a personagem não nos é apresentada ali, tudo o que se sabe é que ela é só uma garota estuprada, apenas mais uma. “No túnel onde fui estuprada, um túnel que antes era estrada subterrânea de um anfiteatro, de onde atores emergiam debaixo dos assentos do público, uma menina havia sido assassinada e esquartejada. Quem me contou essa história foi a polícia. Em comparação com ela, disseram, que eu tive sorte”. Nesse trecho entende-se o título da obra.

Alice tinha 18 anos quando ocorreu o crime que a mudou, mas não afundou a mulher que ela veio a se transformar. O estuprador a definiu como a garota mais feia que ele já estuprara, mas, mesmo assim, fez tudo o que fez. Sob a ameça de uma faca, a garota teve seu corpo, até então virgem, violentado. Ao acabar, o criminoso chorou, pediu desculpas por tudo, e disse que ela era uma garota legal. No momento ela o perdoou, afinal diria qualquer coisa apenas para ir embora. Na despedida ele gritou: “te vejo por ai, Alice!”.

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A garota “morta” fala sobre como sua vida ficou após o estupro, do envolvimento com drogas, da relação com a família e com os amigos, dos seus pensamentos e sentimentos. O livro também aborda as dificuldades e as pressões que as vítimas de estupro enfrentam, porém foca com mais precisão na mente de uma pessoa que luta para não se considerar uma vítima, apesar de tudo o que sofreu. O importante, para ela, foi, de fato, manter a calma e a lucidez, e lutar por uma vida normal.

Depois de Sorte, Sebold publicou, em 2002, o best-seller Uma vida interrompida. O livro é um romance sobre uma menina de 14 anos que é estuprada e assassinada pelo vizinho. A personagem principal conta sua história do Céu, olhando para baixo quando sua família tenta lidar com a morte dela e enquanto seu assassino escapa da polícia. Este romance foi adaptado para um filme de 2009, de Peter Jackson, chamado Um olhar do Paraíso.

Enquanto Alice trabalhava em Uma vida interrompida, ela conheceu o marido Glen David Gold, na faculdade, e hoje vivem em São Francisco (EUA). O segundo romance de Sebold, Quase Noite, foi lançado em 2007. A autora ganhou o American Book, Associação de Livreiros do Ano de Ficção Adultos em 2003 e o Prêmio Bram Stoker pelo primeiro romance em 2002. Ela também foi indicada na categoria romance naquele ano.

Texto: Cidney Sousa

[Foca Nessa] Livro retrata a emancipação do espírito feminino

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Publicado em 1847, o livro Jane Eyre faz parte da literatura romântica inglesa, apesar de carregar características góticas por apresentar mistérios e personagens envoltos numa narrativa predominantemente de terror. Inicialmente lançada sob o pseudônimo de Currer Bell, a obra da mais velha das irmãs Brontë, Charlotte Brontë, é considerada uma das primeiras obras da época a ter uma protagonista tipicamente feminista.

A narrativa conta a história da protagonista órfã Jane Eyre, criada e maltratada pela tia. Depois de um desentendimento familiar, Jane é mandada para um colégio interno, onde fica até a idade adulta. Quando sua formação é concluída, ela arranja trabalho como preceptora de Adèle, a pupila de Edward Rochester na propriedade de Thornfield Hall. Em seu novo cotidiano, Jane se apaixona pelo patrão, que esconde um terrível segredo, algo que incita a sua fuga.

Sem dinheiro ou lugar para ficar, Jane é encontrada quase morta pelo pastor St. John Rivers e suas irmãs. O livro transcorre em primeira pessoa, a partir de relatos de uma personagem que luta arduamente para escapar de uma sociedade em que as mulheres não tinham muitas opções de vida, a não ser que se casassem.

A desilusão com Rochester e a tragicidade de sua infância não impedem o amadurecimento de sua personalidade, como um pássaro livre das expectativas alheias. É notável que, quando criança, ela era basicamente uma jovem revoltada e, mais tarde, ao fazer parte de um círculo social, suas características são moldadas dentro daquele contexto. Jane é constantemente apresentada como feia e comum, e seu parceiro, Rochester, é um homem egoísta e amargo, compondo um dos poucos casais de caráter não “romantizado” e idealizado.

Para a autora, diferentemente das obras de Jane Austen, ícone da literatura inglesa, ninguém poderia conter a força ou a inteligência de Jane Eyre. Nos escritos de Austen, como Orgulho e Preconceito e Razão e Sensibilidade, é notável que as mulheres não eram consideradas aptas ao trabalho e que deviam se casar para garantir a sua sobrevivência. Charlotte, então, prova que as mulheres são totalmente capazes de serem independentes e, ainda assim, conseguirem o amor de suas vidas e o que mais desejarem. Como uma boa dica de leitura, a obra vai além do entretenimento clichês e dos esteriótipos clássicos, tornando-se/lançando uma trama envolvente e moderna até os dias de hoje.

“Não é razoável condenar as mulheres ou rir delas, se elas querem mais do que os costumes definiram como sendo o necessário para seu sexo” – Charlotte Brontë.

Jane Eyre

Autor: Bronte, Charlotte

Editora:Penguin Books Uk

Idioma : Inglês

País de Origem: Inglaterra

Número de Paginas: 532

Texto: Ravelle Gadelha 

[Foca Nessa] A poesia e a comicidade carioca de Gregório Duvivier

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Transformar o que é trivial em poesia não é algo raro. Mas Gregório Duvivier, ator, poeta, colunista e roteirista, consegue extrair uma nova visão do cotidiano carioca e do amor irônico, ingênuo e adolescente. Tudo isso em seu novo livro Ligue os pontos – Poemas de amor e big bang, o segundo de sua trajetória como escritor.

A memória coletiva da cidade do Rio, o amor adolescente e a nostalgia irônica fazem da poética de Duvivier ter uma elaboração simples, adotando uma aparência de poesia moderna com poemas sem sinais de pontuação. No livro, o banal e o ordinário, aos olhos de Duvivier, tornam-se extraordinários, principalmente, pela linguagem coloquial.

você é a última dos moicanos no pacote
de jujubas a cereja do bolo no topo
do milk-shake de creme de la crème
brûlée aquela música do cole porter
o topo do top de todos os pokémons
você é aquele que me diz calma tá tudo
bem agora você é o meu beatle preferido
tem dias em que é o george e dias em que
é o paul e dias em que é o chico buarque
e dias em que é aquele feriado que cai
no meio da semana e a gente enforca
pros dois lados imagine um réveillon fora
de época é você uma terça-feira de carnaval
em plena sexta-feira da paixão e minha
paixão é um sábado que não termina nunca.

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Gregório Duvivier. Foto: Camilla Maia/O Globo

Fugindo um pouco da poesia prosaísta, Duvivier não se preocupa em ser hermético, em fazer analogias super rebuscadas. O seu diferencial é a comicidade, a chamada “poesia-entretenimento”: surpresas no meio dos versos, alinhadas a falta de pontuação dos poemas, que corta a respiração do leitor.

o bairro de botafogo
se fosse um senhor
usaria óculos fundo
de garrafa e daria
bom-dia aos pássaros
cantores que já não
moram na varanda

Antônio Prata foi preciso em sua definição sobre o novo livro de Duvivier: “Em algum momento da vida as pessoas escolhem se vão ser sérias ou engraçadas. Para a nossa sorte, o Gregório faltou essa aula, sendo capaz, nestes belos e surpreendentes poemas, de extrair melancolia de um Guaraplus e de graça do Big Bang”.

Logo no prólogo, o passo a passo de uma declaração de amor moderna:

Ao se deparar com a coisa mais bonita do mundo:

1. Certifique-se de que ela existe.
2. Observe-a minunciosamente. Pode ser que ela evapore.
3. Ouça a coisa mais bonita do mundo.
4. Deite a coisa mais bonita do mundo sobre a superfície mais confortável do mundo.
5. Ame-a imensamente.

Gregório Duvivier é conhecido pelo grande público como um dos criadores e atores do Porta dos fundos, programa humorístico feito para a internet, com esquetes de humor ácido, urbano e realista. O carioca de 27 anos também é colunista da Folha de S. Paulo, roteirista de seriados da Rede Globo, como o Louco Por Elas, atua no teatro com o Z.É, cenas improvisadas e no monólogo Uma noite na Lua, dirigido pelo seu sogro João Falcão.

Texto: Tatiana Alencar

[Foca Nessa] Estranho fenômeno das gangues de motoqueiros

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Incentivado por Carey McWilliams, editor da revista The Nation, para escrever um artigo sobre o estranho fenômeno das gangues de motoqueiros estadunidenses, Hunter Stockton Thompson convive com o grupo intitulado Hell’s Angels, fazendo render um artigo e um livro, publicados respectivamente em 1965 e 1967. A capa do livro mostra a única imagem presente em toda a obra, o que permite enxergar um pouco do perfil “barra pesada” dos Hell’s Angels. Eles eram conhecidos pela moto harley davidson, o estandarte de um crânio alado em suas jaquetas jeans sem mangas, as barbas e o fedor – a mulher de um Angel relata no livro que seu marido já ficou dois meses sem tomar banho.

Com a linguagem, composta muitas vezes por palavrões e com frequente abordagem em primeira pessoa, sendo colocada por um jornalista que vivenciou os costumes do grupo, é possível enxergar um clima intenso e literal durante toda a leitura. A denominação “gangues” referente aos motoqueiros era típica na época, assim como “fora da lei”, direcionada a certos grupos desordeiros dos Estados Unidos.

Existiam diversas nomenclaturas e direcionamentos que a mídia e a sociedade davam aos Hell’s Angels, e é o que Thompson explana bastante no livro, chegando a usar termos pejorativos para designar os motoqueiros. Algumas das designações que Hunter dá aos Angels são: potencialmente perigosos como bandos de javalis, porcos depravados, gangue de criminosos fantasiados, caravana de marginais, exércitos de vândalos humanos, espécie aparentemente subumana, zoológico humanos sobre rodas, legião de rejeitados, assassinos ignorantes, brigões impiedosos, estuprador irracional, entre outros.

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Hell’s Angels.

O livro mostra as diversas manchetes que os jornais – como o Time, The New York Times, Life, Newsweek, True, The Man’s Magazine, Tribune, entre outros – contribuíram na composição de uma imagem negativa dos Angels. Thompson, durante a obra inteira, faz um paralelo da sua visão dentro do grupo para com o tratamento que a sociedade e mídia dava. Coloca recortes de trechos de jornais e explana o outro lado da verdade que não era mostrada. É narrado um episódio em que os Hell’s Angels são acusados de serem responsáveis pelas brigas e confusões durante uma grande corrida de motociclistas, em Lacônia, saindo em diversas manchetes. Só depois foi constatado que nem um Angel estava presente no local e os jornais não se importaram em desfazer o que haviam pregado antes.

O Relatório Lynch é bastante citado no livro, foi elaborado pelo procurador-geral Thomas C. Lynch, como uma espécie de investigação por meio de questionários enviados a promotores de justiça, policiais, chefes de polícia e delegados, colhendo depoimentos acerca dos Hell’s Angels. O relatório foi responsável pela grande repercussão sensacionalista da mídia, que muitas vezes publicavam trechos na íntegra dele, sendo encarados como verdades absolutas. Thompson desvenda essa visão mostrando o teor tendencioso e exagerado que a sociedade tinha sobre os Hell’s Angels.

Jornalismo Gonzo

Jornalista, nascido no final da década de 30, cometendo suicídio em 2005 com um tiro de espingarda, Hunter Thompson fez surgir um novo estilo jornalístico. No auge do jornalismo literário do New Jornalism, surge Hell’s Angels, primeiro livro de Thompson e a obra considerada precursora no chamado jornalismo gonzo. O estilo é caracterizado pela subjetividade, parcialidade, sarcasmo, ironia, longa e grande proximidade com o objeto pretendido e geralmente vinculado ao uso de drogas durante a produção.

Hunter Thompson
Hunter Thompson

Como fator de proximidade podemos constatar a convivência privilegiada que Thompson pôde ter com os Fora da Lei. Os motoqueiros tinham tremenda aversão aos jornalistas, poucos podiam chegar perto deles, sequer passar um ano entre o grupo participando e observando todos os rituais e datas tidas como mais importantes para eles, que é a Jornada do dia do Trabalho e o Dia da Independência dos Estados Unidos, dois episódios relatados no livro.

Devido a repulsa que eles tinham com a imprensa, às vezes Thompson sentia uma certa ameaça sobre a sua vida. Ele chega a narrar que uma vez estava bebendo com alguns membros da “gangue” no seu apartamento e “um Angel falou que se não gostasse do que ele escrevesse iria derrubar a sua porta a noite, derramar gasolina no corredor e jogar um fósforo (p.175)”. O clima em que as ameaças eram colocadas não tinham um tom sério, mas Thompson, diante de todas as práticas que ele chegou a ver, sabia que certamente aquilo tudo era possível.

Thompson ficou de 1965 à 1966 entre os Hell’s Angels, mostrando um retrato dos Hell’s Angels e da sociedade americana na época, especialmente da Califórnia. Ele se via tão próximo do grupo que muitas vezes refletia a respeito da sua real função, alegando que sua relação com o grupo nunca tinham acabado de verdade. “Eu tinha me envolvido tanto com o ambiente dos desordeiros que não tinha mais certeza se estava fazendo uma pesquisa sobre os Hell’s Angels ou se estava, aos poucos, entrando no grupo (p.65)”. Hunter Thompson foi um raro que teve coragem de acompanhar de perto o estranho fenômeno dos Hell’s Angels, são 342 páginas de pura emoção e detalhes minucioso sobre os Fora da Lei.

Texto: Giovânia Alencar

[Foca Nessa] Corrida para glória

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O livro Corrida para a Glória, escrito pelo britânico Tom Rubython, que inspirou o filme Rush – No limite da emoção, é uma espécie de viagem no tempo para os anos 70, mostrando a primeira rivalidade midiática da história da F1, protagonizada pelo austríaco Niki Lauda e o inglês James Hunt.

Com riqueza de detalhes, o livro não só reconta as histórias de bastidores dos dois pilotos na temporada de 1976, uma das mais emblemáticas da história da F1, como também relata as dificuldades que ambos enfrentaram para alcançar o estrelato, de suas diferentes formas. De um lado, Niki Lauda com sua disciplina germânica e, do outro, James Hunt, um piloto boêmio e romântico.

A temporada de 1976

No livro, cada Grande Prêmio desta temporada é minuciosamente detalhado, o que pode tornar a obra monótona para quem não é familiarizado com universo do automobilismo, mas o detalhes dos GPs intercalam-se com a vida privada dos pilotos, seus casamentos e divórcios e dramas pessoais, fazendo com que o leitor leigo sobre a F1 também sinta-se familiarizado com a história e mergulhe no mundo do esporte a motor. Além disso, todo o cuidado para mostrar o que realmente aconteceu nesta temporada, é crucial para o desenrolar da trama.

 As intrigas de bastidores são reveladas e relatadas, como o dia em que a McLaren mandou seus carros para o Japão – em uma manobra que deixou os dirigentes da Ferrari revoltados -, para que Hunt pudesse testar os veículos na pista do Monte Fuji e tivesse alguma vantagem sobre Lauda; e a volta de Lauda para Monza, depois do seu gravíssimo acidente – um dos pontos cruciais da trama – , mostrando o apoio incondicional da torcida pela sua volta, algo bastante incomum no universo da F1.

Relacionamento

Embora o estilo de vida dos dois pilotos fossem completamente diferentes, – por um lado, Hunt era conhecido pelas suas orgias e vício em bebidas e cigarro; e de outro lado, estava Lauda que dormia e acordava cedo e cuidava de sua saúde física e mental – Corrida para a Glória deixa claro que a rivalidade de Lauda e Hunt sempre foi esportiva, já que os pilotos se respeitavam bastante, mesmo tendo alguns conflitos normais.

Pontos negativos da obra

O livro pecou em alguns detalhes. O fato de Tom Rubython ser um autor inglês pode ter colaborado para que, na obra, Hunt seja exaltado em vários momentos e Lauda diminuído em outros, principalmente na vida particular de ambos, já que como piloto a qualidade de Lauda era incontestável. Na obra, o austríaco foi criticado e questionado diversas vezes por ter deixado uma namorada antiga para engatar um relacionamento com Marlene, com quem ficara casado por quase 20 anos. Mas o autor não condena James Hunt por viver cercado por bebidas e mulheres. Muito menos por ter terminado seu casamento com Suzy Miler da forma mais hostil possível.

Entretanto, são apenas pequenos deslizes que já eram esperados pelo fato do autor ser compatriota de James Hunt. O livro, em sua totalidade, merece toda a atenção, principalmente pela riqueza de detalhes existentes na obra. A temporada de 1976 de F1 merecia ser relatada da forma mais fidedigna possível e Corrida para a Glória cumpre essa missão.

Texto: Tatiana Alencar